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Menos de 24 horas depois, governo revoga portaria que garantia estabilidade a trabalhador com covid-19 (Matéria original: Jornal JC)

Publicada em 02/09/2020

Um dia depois de publicada, o Ministério da Saúde revogou, nesta quarta-feira (2), a Portaria 2.309, que incluía contaminação por covid-19 na Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho (LDRT). A decisão garantia ao funcionário estabilidade de um ano no emprego e liberação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) enquanto não recebesse alta médica, caso contraísse a doença no ambiente de trabalho. A revogação aconteceu por meio da Portaria 2.345, assinada pelo ministro de saúde interino, Eduardo Pazuello. 
 
No texto publicado na terça-feira (1º), trabalhadores afastados por mais de 15 dias por infecção do novo coronavírus, com licença pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), teriam direito ao FGTS proporcional ao tempo de licença médica e estabilidade provisória no emprego durante 12 meses. 
 
O auxílio-doença previdenciário, que hoje é 60% do valor da previdência, mais 2% após 15 anos de contribuição, para mulheres, e 20 anos, para homens, seria de 100% caso o afastamento se desse por conta de uma contaminação por covid-19, já que o benefício passaria a ser considerado 'acidentário' (artigo 59/63 da Lei 8.213/91). No entanto, seria preciso comprovar que a doença foi contraída por conta das atividades exercidas no trabalho.
 
A portaria, que seria revisada no prazo máximo de cinco anos, deveria sofrer alterações apenas mediante mudanças do contexto epidemiológico nacional e internacional. 
 
Uma breve linha do tempo
 
Desde as primeiras confirmações de casos do novo coronavírus, o assunto passou a ser discutido no âmbito trabalhista. Em 22 de março, o Governo Federal publicou uma Medida Provisória de nº 927 configurando as medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública provocado pela pandemia do novo coronavírus. Nesta MP, o artigo de nº 29 negou que a contaminação pelo vírus pudesse representar acidente de trabalho. No entanto, em 29 de abril, através de videoconferência, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu tal artigo como inconstitucional, anulando-o.
 
"O artigo de número 29 ficou em vigor até meados de abril, e então houve um ajuizamento de uma ação declaratória de inconstitucionalidade, para poder verificar a constitucionalidade dos dispositivos da Medida Provisória. Nessa verificação, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que o artigo 29 seria inconstitucional e acabou o anulando, mas sem trazer uma nova legislação a respeito da situação", explicou a advogada trabalhista, Anna Carolina Cabral. 
 
Sem essa nova legislação, a Comunidade Jurídica interpretou que seria necessário um 'nexo causal', ou seja, uma relação das atividades de trabalho com a contaminação do funcionário de forma comprovada para que a infecção pudesse, deste modo, ser considerada acidente de trabalho.
 
"Se o trabalhador viesse a contrair a doença, seria apurado se a empresa teria tomado todas as medidas cautelares necessárias, atuando com informativo e trabalhando de forma preventiva e eficaz para que os empregados não viessem a ser contaminados. Caso fosse comprovado que uma empresa agiu de forma irresponsável, sem levar em conta o estado de pandemia, o empregado que contraísse a doença poderia ter a relação direta do contágio com a atividade de trabalho declarada", afirmou.
 
Até a terça-feira (1º), quando a Portaria nº 2.309 foi publicada, não havia legislação em vigor no Brasil que declarasse ou não a contaminação por covid-19 como acidente de trabalho. No entanto, a partir da implementação do documento, assim que o funcionário completasse mais de 15 dias afastado, a empresa em questão abriria uma Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) no INSS e o empregado passaria a garantir a 'estabilidade provisoria' no emprego, por um ano, assim que recebesse alta médica comprobatória da recuperação. Ou seja, o funcionário poderia retornar às suas atividades após o período de licença com a garantia de que não seria demitido pelos próximos 12 meses.
 
"Ontem [terça-feira] com a publicação da Portaria que incluiu a covid-19 na Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho (LDRT) o que se subentendeu, é que, objetivamente, na medida em que o empregado contraísse a doença, já seria por si só considerado acidente de trabalho, trazendo alguma aplicação jurídica ao caso", disse. 
Mas, a publicação da Portaria 2.345 nesta quarta-feira (2) tornou o documento em questão sem efeito, revogando-o em menos de 24 horas após publicado. 
 
"Hoje, nossa situação Jurídica volta ao estágio anterior. Ou seja, sem legislação específica em vigor, apenas com a ciência de que é necessário estabelecer uma apuração quando um trabalhador alegar que foi infectado pelo vírus em exercício da profissão", garantiu a advogada.
 
Ainda segundo ela, a revogação da Portaria pode ter acontecido a partir do cenário de discussões jurídicas instaurado desde sua publicação. "No período em que a Portaria 2.309 esteve em vigência, que foi menos de 24 horas, ainda foi possível fazer algumas discussões sobre a própria validade dessa Portaria. O que se deu a entender é que imediatamente, a partir da identificação do contágio do funcionário, isso já seria considerado acidente de trabalho. Mas e se a empresa de fato tivesse tomado todas as precauções e isso estivesse comprovado? Imagino que em virtude de várias dessas discussões a revogação imediata aconteceu".
 
Para Anna Carolina, no entanto, mesmo se a Portaria estivesse em vigor, caberia uma apuração para determinar se o contágio se deu realmente em razão do trabalho "A Portaria representaria ao funcionário uma segurança jurídica de continuação na relação de trabalho, num ambiente em que a empresa não tomou cuidados sanitários e foi totalmente displicente em relação à pandemia. Mas num contexto em que a empresa comprove a total adoção das medidas sanitárias isso teria que ser revisto diante de uma apuração mais rígida".
 
Como o trabalhador deve proceder a partir de agora?
 
Agora, mesmo sem legislação específica em vigor, ainda é possível ter o contágio pela covid-19 classificado como acidente de trabalho através de uma apuração. De acordo com a advogada trabalhista, Anna Carolina Cabral, o trabalhador pode percorrer dois caminhos para comprovar a relação da infecção com o trabalho, o judicial e o administrativo.  
 
"O trabalhador pode pegar o caminho judicial, entrando com uma reclamação trabalhista na Justiça do Trabalho para que o juiz do trabalho reconheça mediante apuração e apresentação de provas que a doença foi adquirida por conta do trabalho. E também há o caminho administrativo, neste caso o trabalhador deve fazer uma denúncia no Ministério Público do Trabalho, para que aconteça uma apuração administrativa na empresa em questão e o procurador do trabalho abra um inquérito administrativo, podendo sim autuar a empresa, não só em relação àquele empregado, mas de forma coletiva, aplicando uma multa", explicou. 
 
De acordo com ela, as movimentações nas leis trabalhistas devem ser acompanhadas e fiscalizadas pela população de forma rígida. Além disso, Anna acredita que é preciso olhar com mais atenção para o movimento de retomada econômica que têm possibilitado a volta dos trabalhadores às suas atividades, mesmo sem que a pandemia esteja solucionada. 
 
"É muito importante que as pessoas tomem ciência dessas decisões envolvendo essa relação da covid-19 com o trabalho, porque se existiu essa Portaria incluindo a contaminação pelo vírus na Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho é porque de alguma forma existe uma demanda social de que as empresas não estejam adotando todos os protocolos de prevenção ao vírus. Isso traz pra sociedade um alerta para que seja verificado se a retomada econômica têm acontecido de forma segura para os trabalhadores", completou. 
 
A reportagem do JC tentou estabelecer contato com o Ministério da Saúde sobre o que, de fato, teria motivado a presente revogação, mas não obteve retorno. Assim que as respostas vierem a reportagem deverá ser atualizada.
 
Matéria original: Jornal JC
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